terça-feira, julho 24, 2007

Afastamento de servidores é bom para o Judiciário

O Jornal Meio Norte publicou editorial, sob o título Marco fundamental, considerando que será positivo para o Judiciário o afastamento de servidores não concursados.

"Ontem, o Tribunal de Justiça do Piauí afastou 53 servidores de seus quadros. Todos foram admitidos sem concurso público, contrariando o que reza a Constituição Federal. O TJPI apenas cumpriu o que lhe foi determinado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao atender uma denúncia do Ministério Público do Trabalho. O ato, com efeito, é tão-somente a retomada da norma constitucional, não havendo nele qualquer atitude revanchista ou exagero, como querem fazer supor alguns.

O afastamento de servidores contratados sem concurso é um imperativo legal e, se feito pelo Judiciário, tanto melhor, porque a este poder cabe julgar eventuais desvios na admissão de funcionários públicos.

Como são muitos os descaminhos na administração pública estadual ao longo de anos na contratação de servidores, ao cortar a própria carne o Judiciário purga-se dos pecados e reafirma sua legitimidade para purgar os pecados alheios. O episódio do afastamento deve causar dissabores a algumas dezenas de pessoas, gente conhecida, com sobrenomes que evidenciam ligações familiares com membros da magistratura. Porém, o padecimento pontual de umas poucas famílias não pode esconder o fato fundamental de que as instituições não podem servir a interesses outros que não sejam os da coletividade.

O afastamento dos servidores sem concurso – e não demissão, posto que a admissão inconstitucional não gera efeitos – deve ser encarado não como castigo, mas como uma chance de ser transformar o concurso público em rotina. O concurso é um instrumento de isonomia, muito embora a má qualidade da educação pública no Brasil dê aos mais abastados chances maiores do que têm os menos afortunados financeiramente.

O que houve no Piauí – e de resto no Brasil – foi a tentativa de risco zero de concorrência para quem tinha um sobrenome de político, magistrado ou promotor de Justiça. Sem concurso, asseguravam-se os melhores empregos para os que tinham a sorte de ser parentes ou amigo de quem estava no comando. Ora, essa distorção começou a ser corrigida com a Constituição de 1988 e também com decisões como a do CNJ, ao determinar que o TJPI se abstenha de contratar sem concurso e afaste quem assim foi admitido irregularmente após a promulgação da Carta Magna.

O TJPI, cortando a carne, tem não apenas a chance de fazer-se uma instituição mais respeitada. Agora passa a ser o único dos poderes do Estado onde, efetivamente, só haverá servidores concursados, salvo aqueles de livre nomeação e demissão pelo seu dirigente. Assim sendo, o afastamento pode ser o marco de uma nova era administrativa, pois dá ao Judiciário do Piauí instrumentos para, quando solicitado, determinar que Legislativo e Executivo cumpram eles também a Constituição".

Inimigo número 1

Fenelon Rocha

A TV espanhola deu destaque, na segunda-feira, a uma notícia que ganhava tons extraordinários. Foi manchete principal do Telediário, uma espécie de Jornal Nacional ibérico. Além da chamada de abertura, mereceu uma longa matéria no meio do telejornal, comple-mentada por uma chamada ao vivo desde Portugal. E para mostrar o caráter especial da informação que se dava, mereceu uma segunda entrada ao vivo, antes do encerramento do noticioso.
O destaque do fato se justificava: acabava de ser preso o inimigo público “número 1” da Espanha, segundo a etiqueta colada pela imprensa com o aval da própria polícia. A prisão ocorreu em território português, em uma operação que mobilizou as polícias dos dois países.
O tal do inimigo público número 1 dos espanhóis é um assaltante de banco que realizou uns 33 assaltos. É suspeito de duas mortes. Seu modo de agir era sempre o mesmo: com peruca, barba postiça e terno folgado (possivelmente para camuflar o colete à prova de balas), entrava nos bancos silenciosamente, apontava a pistola para o gerente ou caixa e levava o que tinha à mão. Não complicava: levava só o que estava à mão. Às vezes 2, ou 3 ou, quem sabe, uns 10 mil euros por assalto. Chegava ao banco como um cliente qualquer, muitas vezes com uma pasta tipo executiva. Entrava calado e saía mudo, sempre sozinho, o que lhe rendeu o apelido de Assaltante Solitário.
Como era possível agir com tanta facilidade? Simples: as agências bancárias na Europa não têm guardas. Sequer vigias. Também os caixas não guardam fortunas nas gavetas, tampouco os cofres têm controle horário – daí a facilidade e a pouca monta.

Nesse cenário de facilidades, o tal Assaltante Solitário virou lenda, principalmente por ser rápido e discreto; e também pelo êxito nas reincidências pelos quatro cantos da Espanha e em algumas cidades de Portugal. Também por isso se transformou em inimigo público número 1, justificando a mobilização das polícias de dois países.

O inusitado do destaque da prisão pode produzir duas reações em um brasileiro. Primeiro, o riso: um assaltante pé-de-chinelo ocupando tanto destaque no Jornal Nacional? Rá, rá, rá! Isso lá é notícia! Rá, rá, rá!

Depois do riso, a lástima: puxa, um assaltante desse é o inimigo público número 1? No Brasil não passaria mesmo de um pé-de-chinelo! Assalto a banco nem é notícia a não ser nos jornais locais. Para merecer destaque nacional, tem que ser coisa como o assalto do Banco Central de Fortaleza ou algo que chegue perto.

Bandido para cair na boca do William Bonner ou da Fátima Bernardes tem que ser um Fernandinho Beira-Mar; ou o chefe do tráfico no Morro do Alemão. Ou senador flagrado recebendo propina.Mais motivos de lástima: apesar do “exigente” perfil brasileiro de noticiabilidade, o que não falta no Jornal Nacional é notícia de crimes, assaltos, mortes, tiroteios e coisas do tipo. Pior: nada de Assaltante Solitário; são gangues robustas e organizadas, sem a discrição do pé-de-chinelo espanhol, tampouco sem a “pobreza” de uma pistola ou metralheta que se esconde debaixo do paletó. Não! Bandido brasileiro é coisa de cinema: bandos enormes, equipamento de guerra e ramificações em todas as partes – incluindo altos postos nas mais importantes instituições públicas, como bem revelam as seguidas operações da Polícia Federal.

O que é ou deixa de ser notícia depende do contexto.

E tendo em isso em conta, pode-se cogitar uma terceira reação de um brasileiro diante da notícia extraordinária da TV espanhola: a esperança. Sim! Um dia a gente chega lá!Quem sabe um dia o Brasil volta a ter outros critérios de noticiabilidade, onde o assalto ao banco do bairro ou à farmácia da esquina seja algo tão extraordinário que mereça ocupar um bom tempo dos telejornais. Mais extraordinário ainda será saber que a polícia foi capaz de prender esses “meliantes” que teimavam em corromper o sagrado sossego de cidadãos que, por fim, recebem de volta tudo o que pagam em impostos.

(*) Fenelon Rocha é jornalista e professor da UFPI.