Fenelon Rocha
A TV espanhola deu destaque, na segunda-feira, a uma notícia que ganhava tons extraordinários. Foi manchete principal do Telediário, uma espécie de Jornal Nacional ibérico. Além da chamada de abertura, mereceu uma longa matéria no meio do telejornal, comple-mentada por uma chamada ao vivo desde Portugal. E para mostrar o caráter especial da informação que se dava, mereceu uma segunda entrada ao vivo, antes do encerramento do noticioso.
O destaque do fato se justificava: acabava de ser preso o inimigo público “número 1” da Espanha, segundo a etiqueta colada pela imprensa com o aval da própria polícia. A prisão ocorreu em território português, em uma operação que mobilizou as polícias dos dois países.
O tal do inimigo público número 1 dos espanhóis é um assaltante de banco que realizou uns 33 assaltos. É suspeito de duas mortes. Seu modo de agir era sempre o mesmo: com peruca, barba postiça e terno folgado (possivelmente para camuflar o colete à prova de balas), entrava nos bancos silenciosamente, apontava a pistola para o gerente ou caixa e levava o que tinha à mão. Não complicava: levava só o que estava à mão. Às vezes 2, ou 3 ou, quem sabe, uns 10 mil euros por assalto. Chegava ao banco como um cliente qualquer, muitas vezes com uma pasta tipo executiva. Entrava calado e saía mudo, sempre sozinho, o que lhe rendeu o apelido de Assaltante Solitário.
Como era possível agir com tanta facilidade? Simples: as agências bancárias na Europa não têm guardas. Sequer vigias. Também os caixas não guardam fortunas nas gavetas, tampouco os cofres têm controle horário – daí a facilidade e a pouca monta.
Nesse cenário de facilidades, o tal Assaltante Solitário virou lenda, principalmente por ser rápido e discreto; e também pelo êxito nas reincidências pelos quatro cantos da Espanha e em algumas cidades de Portugal. Também por isso se transformou em inimigo público número 1, justificando a mobilização das polícias de dois países.
O inusitado do destaque da prisão pode produzir duas reações em um brasileiro. Primeiro, o riso: um assaltante pé-de-chinelo ocupando tanto destaque no Jornal Nacional? Rá, rá, rá! Isso lá é notícia! Rá, rá, rá!
Depois do riso, a lástima: puxa, um assaltante desse é o inimigo público número 1? No Brasil não passaria mesmo de um pé-de-chinelo! Assalto a banco nem é notícia a não ser nos jornais locais. Para merecer destaque nacional, tem que ser coisa como o assalto do Banco Central de Fortaleza ou algo que chegue perto.
Bandido para cair na boca do William Bonner ou da Fátima Bernardes tem que ser um Fernandinho Beira-Mar; ou o chefe do tráfico no Morro do Alemão. Ou senador flagrado recebendo propina.Mais motivos de lástima: apesar do “exigente” perfil brasileiro de noticiabilidade, o que não falta no Jornal Nacional é notícia de crimes, assaltos, mortes, tiroteios e coisas do tipo. Pior: nada de Assaltante Solitário; são gangues robustas e organizadas, sem a discrição do pé-de-chinelo espanhol, tampouco sem a “pobreza” de uma pistola ou metralheta que se esconde debaixo do paletó. Não! Bandido brasileiro é coisa de cinema: bandos enormes, equipamento de guerra e ramificações em todas as partes – incluindo altos postos nas mais importantes instituições públicas, como bem revelam as seguidas operações da Polícia Federal.
O que é ou deixa de ser notícia depende do contexto.
E tendo em isso em conta, pode-se cogitar uma terceira reação de um brasileiro diante da notícia extraordinária da TV espanhola: a esperança. Sim! Um dia a gente chega lá!Quem sabe um dia o Brasil volta a ter outros critérios de noticiabilidade, onde o assalto ao banco do bairro ou à farmácia da esquina seja algo tão extraordinário que mereça ocupar um bom tempo dos telejornais. Mais extraordinário ainda será saber que a polícia foi capaz de prender esses “meliantes” que teimavam em corromper o sagrado sossego de cidadãos que, por fim, recebem de volta tudo o que pagam em impostos.
(*) Fenelon Rocha é jornalista e professor da UFPI.