segunda-feira, outubro 30, 2006

Política Externa: Lula fora do ar

William Waack
Portal G1, 30/10/2006, às 11h10m

Os outros fizeram mais cedo o que o Brasil ainda nem pensou em começar a fazer, e as primeiras palavras de Lula reeleito não dão a sensação de que ele realmente sabe o que está acontecendo lá fora. É uma tremenda competição internacional, em especial entre os países que podem ser comparados ao Brasil (os grandes e continentais, como China, Índia, Rússia, África do Sul e, em boa medida também, México, Indonésia).
Todos têm uma noção muito grande da concorrência por mercados, por importância nas decisões políticas. A alguns, a geografia e a história impõem escolhas e atitudes. O Brasil parece sortudo: não vive na carne nenhum dos principais conflitos internacionais - terrorismo, fanatismo religioso, ondas migratórias, disputa por recursos energéticos (petróleo) ou escassos (água). Talvez isso ajude a explicar esse gigante embevecido de si mesmo, como Lula deixou óbvio com seus auto-elogios em matéria de política externa.
As primeiras palavras de Lula reeleito não devem ser tomadas como um programa de governo. Ninguém poderia esperar que pudessem ter sido uma detalhada lista de medidas a serem tomadas. Mas são excelentes para se entender um estado de espírito. E ele sugere que se está lutando as batalhas do passado. O presidente parecia orgulhoso de dizer que hoje ninguém mais fala em Alca. Pudera: nem mais os americanos estão interessados nisso, depois de terem firmado com um bom número de países acordos bilaterais que deixam o Brasil falando sozinho.
Lula parecia falar também de um personagem inexistente, quando desdobrou-se em elogios ao Mercosul - que não é capaz de agir como bloco, sofre da mais básica falta de solidariedade interna, está se politizando no mau sentido da palavra e faz os negociadores europeus se perguntarem o que, afinal, os sul-americanos realmente querem. Falar grosso e negociar mal?
Faz parte do discurso padrão de mandatários de países emergentes - do México às Filipinas, passando, claro, pelos antigos países comunistas do Leste europeu - menções à necessidade de se adaptar às rápidas transformações econômicas internacionais. Eles manifestam-se preocupados com a concorrência representada por mão-de-obra mais barata em outros lugares e, no caso da Índia, mão-de-obra ainda por cima falando inglês e em muitos casos bastante bem preparada.
Esse tipo de preocupação não existe em Lula ou, pelo menos, não transparece em suas palavras. Nem se vê qualquer sentido de urgência, enquanto os outros parecem obcecados em recuperar ou não perder tempo. O berço esplêndido no qual repousamos anda de rodinhas, enquanto os outros países voam a jato na compreensão de que estão obrigados a mudar para concorrer, ou ficam irremediavelmente para trás.
Isso vale para todo tipo de política - para citar apenas um exemplo: vale para reformar sistemas previdenciários, como o brasileiro, que obrigam o Estado a gastar sempre mais, dificultando investimentos (para Lula, a crise do INSS pode ser resolvida com crescimento e combate às fraudes, uma visão ridicularizada por especialistas de várias tendências políticas).
Talvez as palavras mais grandiloquentes pronunciadas pelo presidente reeleito tenham sido as de que o Brasil deixará de ser um país emergente ainda em seu segundo mandato. Há um lado positivo nessa afirmação: ao contrário do que disse durante a campanha, Lula está, sim, comparando o Brasil a outros países, e não apenas a si mesmo.
Infelizmente, o presidente reeleito não deu a menor idéia como o País deixará de ser um país emergente.
Texto disponível em:
http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,AA1331287-5601,00.html